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Rebouças – ‘Palavras para além do Tempo’, relato que deu Ouro para Colégio de Rebouças

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Confira  abaixo, o  relato de prática, da professora Maria Silmara Saqueto Hilgemberg,  do Colégio Est. do Campo De Faxinal dos Francos,  que conseguiu a medalha de Ouro, na categoria Memórias Literária,  na 7ª edição da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa.

O tema das produções textuais era “O lugar onde vivo”, para resgatar histórias, estreitar vínculos com a comunidade, aprofundar o conhecimento sobre a realidade local e desenvolver a cidadania.

Palavras para além do Tempo

Por: Maria Silmara Saqueto Hilgemberg

Se bem me lembro… eu tinha 11 anos. Era festa de São Sebastião, […]. No fim da tarde, mães alvoroçadas procuravam seus filhos e filhas. O leilão já ia sendo dado por encerrado e o conjunto musical se preparava para a saideira. Mas, cadê as crianças?

“Foi uma fuga planejada, professora?” “Acho que foi um rapto.”

“Minha mãe sempre diz, criança quieta está aprontando.”

Não! Estávamos todos em uma salinha desativada, onde outrora funcionava a escola da pequena comunidade de Poço Bonito […]. De criança em criança, eu e, depois, o grupo cada vez maior fomos convidando as miudezas da festa para brincarmos de escolinha. Eu era a professora! […]

Omiti dos alunos o fato de que, nessa época, nem sequer por um segundo duvidava da minha capacidade de mudar o mundo. Os anos trazem experiência, mas também insegurança. É preciso aproveitar as crianças, que ainda carregam todos os sonhos do mundo. Trabalhar a Olimpíada de Língua Portuguesa em tempos de pandemia seria um desafio árduo, perguntei-me se conseguiríamos fazer um bom trabalho. Mas me recusava a não viver a aventura da 7ª edição. Não se tratava apenas das minhas incertezas, não era uma escolha individual. Seria, sim, uma decisão e um processo coletivo de escrita, representativo da nossa gente, do nosso lugar, da nossa escola do campo, que fica a 17 km da cidade e onde estudam filhos de pequenos agricultores da região, jovens de olhar aguçado e coração sonhador.

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A apresentação da proposta da Olimpíada foi uma incógnita, até porque o ensino remoto nos tirou o olho a olho, tornou difícil captar as reações, ou porque as câmeras dificilmente eram abertas ou porque, para outros estudantes, a novidade ia escrita nas apostilas, as quais já estavam saturadas. Por isso, com o intuito de despertar o ingrediente principal – o querer – relatei algumas memórias da minha infância e pesquisei outras mais antigas com pessoas da comunidade, assim a primeira aula sobre o gênero tornou-se uma contação de histórias. Uma estratégia que, quase sempre, funciona comigo: se quero que o aluno me conte uma boa história, conto algumas também. Se quero que perca o medo do branco da folha, produzo também, isso gera certa cumplicidade, afinal em cada escrito entregamos um pouquinho da nossa essência, há de se ter intimidade para entregar um texto.

Como as metodologias ativas vêm se mostrando uma oportunidade de o aluno se reconhecer como protagonista de sua aprendizagem, usei bastante a “sala de aula invertida”, lançava uma ideia para pesquisa, a fim de tornar as aulas seguintes mais colaborativas. Quanto aos alunos das apostilas, mandava áudios explicativos, textos com imagens, anotações, além de estar conectada em tempo integral aos grupos de WhatsApp, auxiliando em relação às dúvidas e dificuldades. Infelizmente, com alguns estudantes, essa interação não era possível, já que não dispunham de internet. O ensino remoto escancarou a desigualdade social. Como ceder a palavra e escutar todas as vozes de uma turma?

As atividades precisavam chegar a todos. Felizmente, a escola é alavancada por vários braços, incansáveis eu diria. Direção, equipe pedagógica, professores e pais, todos empenhados com um objetivo em comum: o conhecimento. A sequência didática, do Caderno Virtual “Memórias Literárias” e outros materiais complementares foram adaptados ao modelo remoto, para as aulas via meet, bem como para o material impresso. Tivemos dificuldades, desafios, internet que travava, aluno sem microfone, aplicativo para uns, texto ilustrado para outros, áudios, ligações, uma verdadeira “busca ativa”, nas palavras da diretora. Tivemos desistências e recomeços, em muitas etapas do trabalho.

“Canção para recordar”, poema da paranaense Helena Kolody serviu de abertura para as próximas aulas. Depois, pulamos carnaval no Rio, em “Transplante de menina”, uma aluna mostrou preocupação “Mas e o que teremos para contar da nossa cidade?”. Sofremos as dores das personagens de “Parecida, mas diferente”. Após conversarmos sobre as características dos textos, aspectos marcantes, análise de trechos, foi lançada a proposta de uma conversa com pessoas mais idosas, a fim de captar acontecimentos e temas marcantes na trajetória de vida delas. Além disso, pedi que fossem resgatando objetos e fotos antigas, da cidade e de seus moradores, eles seriam relevantes para a construção de nossos escritos.

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As etapas seguintes foram sendo delineadas e trabalhadas. A sequência didática para trabalhar o gênero “Memórias Literárias” foi uma excelente estratégia, conseguimos abarcar muitos conteúdos significativos aos estudantes, ao mesmo tempo em que estávamos retratando nossas identidades. Aos poucos, notei maior interação de alunos que antes respondiam apenas no chat, como fez o aluno Caique, que se mostrou um admirador de fatos, fotos e histórias antigas. Realizaram pesquisas sobre como era a cidade, antigamente: a igreja, a praça, a câmara de vereadores, as ruas, o comércio, os meios de transporte. Relataram suas descobertas, oralmente durante as aulas online ou escritas nas apostilas.

O texto “Nas ruas do Brás”, de Drauzio Varella me trouxe uma grata surpresa, quando o aluno relacionou a emigração do personagem ao conteúdo estudado em geografia, o que engatilhou uma associação ao passado e à história, enalteci a participação, fiquei vibrando, era algo tão simples, mas diante de um ano letivo tão turbulento, eu fiz questão de comemorar cada pequeno gesto de apego ao saber. As apostilas, por outro lado, retornavam com péssima qualidade, tínhamos uma questão delicada: os alunos do material impresso não estavam aprendendo. A solução foi trazer para a escola aqueles com mais dificuldades de aprendizagem ou necessidades educacionais especiais, para que recebessem auxílio individualizado e não ficassem à margem da aprendizagem.

Na comparação entre os gêneros, vivemos as angústias e a poesia de Carolina de Jesus, no diário “O quarto de despejo”; Marina Colasanti permitiu-nos vivenciar os horrores da guerra no relato histórico “Minha primeira infância” e João Ubaldo Ribeiro comprovou que o proibido sempre foi mais gostoso, em suas memórias literárias “Memórias de livros”.

Senti que meus estudantes estavam bem mais familiarizados com o gênero. Mas ao ouvir um desabafo de que “conversar com a vó é muito chato, ela não para nunca de falar”, pensei de que vale formar se não for para transformar? Então passei o vídeo “Envelhecer em um minuto” e trocamos ideias sobre a efemeridade da vida. Fragmentos da obra “O segredo da xícara cor de nuvem” também possibilitaram reflexões interessantes sobre a ética e a responsabilidade ao emprestar a história do outro, geralmente “transbordante de saudade”.

Engana-se quem pensa que ao trabalhar as sequências didáticas não resta tempo para outras abordagens do conteúdo, pelo contrário, ao fazê-lo, conseguimos abordar muitos aspectos do texto, inclusive as marcas linguísticas. Nesse sentido, estudamos os tempos e modos verbais, pronomes, concordância, pontuação, acentuação, ortografia, entre outras explicações que se mostraram necessárias e pertinentes. Algo em mim mudou, no entanto, nesse período de pandemia. Percebi que talvez eu fosse muito “conteudista”, algumas pausas são extremamente importantes e profícuas à aprendizagem e ao incentivo à valorização da atividade, quando os alunos veem sentido na prática, o trabalho tende a ser mais planejado, pensado e colocado em prática com êxito.

Mas as primeiras produções mostraram que um ano sem aula presencial prejudicou muito a competência escrita dos estudantes. Agora em sala – voltamos em julho – essas dificuldades são ainda mais gritantes, principalmente em relação aos alunos que estudaram unicamente pelo material impresso. Mas a passos lentos, porém constantes, com muito trabalho e doses exageradas de amor, tenho esperança de que consigamos melhorar as experiências, a escrita, a leitura e escuta, a oralidade. Não é pouca coisa. Tento encontrar dentro de mim toda a força daquela menininha que sonhava em ser professora, mas, às vezes, eu vacilo, perco a fé, o chão e o sono. Depois, volto a ser utópica, porque sou professora, carrego no meu envelope cheio de textos todos os sonhos do mundo.

As primeiras produções chegaram até mim como uma transcrição das entrevistas, a maioria era um amontoado de respostas curtas e sem informações relevantes sobre o lugar ou sobre a trajetória de vida do entrevistado. Era uma mera descrição, sem afetividade, sem encantamento. A maioria dos textos das apostilas voltou resumida a um parágrafo sobre um fato contado em casa. Era preciso recomeçar. Pedi que dessa vez não entrevistassem, mas conversassem com os idosos, tentando captar as emoções, as expressões, que dessem atenção e tivessem paciência ao ouvir. Era preciso reinterpretar a escuta, para deixar o texto literário. Os que conseguissem poderiam trazer os áudios ou gravações para as próximas aulas.

Deixei recados individuais na primeira correção, mas falei apenas dos pontos que poderiam ser realçados na próxima reescrita, o lado positivo de cada produção. Não corrigi adequação linguística individualmente, apenas sublinhei os erros, mas anotei os mais recorrentes para trabalhar nas aulas. Não tenho a certeza de que fiz certo, mas quando devolvo ao aluno o texto todo marcado, geralmente se ressente e perde a confiança.

Ler os textos vencedores da edição anterior me pareceu uma boa estratégia, para inspirá-los, lemos um em cada aula: “Paralelo 11: do cocar vermelho ao pé de jatobá” nos remeteu a uma cultura diferente, às dores e sentimentos de um povo. A metáfora representada em “Rio afora…rio adentro… A vida segue” nos mostrou o lirismo e a poeticidade ao escrever. “Memórias de uma gata borralheira” nos fez suspirar de alívio, por sermos mulheres deste tempo. Mas foi “Menina da boca roxa de amora” que mostrou o dito conhecido por nós “vou contar que você namora” e animou a aula.

Depois disso, o momento tão esperado chegou. Voltamos à escola. Confesso que as aulas remotas definitivamente não foi uma experiência agradável, eu gosto de gente com gente, de igualdade de direitos, de aluno falando, escrevendo, descobrindo. Apesar disso, foi um ano de muito aprendizado, participei de cursos, webnários, aprendi a usar aplicativos, que me ajudaram nas aulas virtuais e que possibilitaram maior interação dos alunos. Curiosamente para falar do passado, precisamos nos adaptar a recursos bem atuais. Entre os que utilizamos, os alunos puderam compartilhar trabalhos detalhados e coloridos com o jamboard; o miniminter nos possibilitou retomar características do gênero Memórias Literárias, com uma chuva de palavras-chaves; construímos mapas mentais sobre as figuras de linguagem no MeidMeister, alguns alunos gravaram vídeos e compartilharam trechos de suas produções no padlet, também fizemos uma produção coletiva no Apresentações Google.

O revezamento de alunos, no modelo híbrido, ainda era um entrave, mas as reescritas puderam ser mediadas e comentadas pessoalmente, o que foi um fator positivo. A partir de então, procuramos otimizar as produções. A turma, presencialmente, participou com entusiasmo, principalmente ao compartilhar as entrevistas.

A entrevista cujo trecho escolhi como álbum da turma é representativa de uma boa conversa de avó e neta, com risos ecoantes, e foi por meio dela que os demais alunos perderam o receio de expor os relatos dos avós, cheios de marcas de oralidade e sotaques. A cultura de corrigir de acordo com uma regra homogeneizada está arraigada no contexto escolar, em muitos casos é preciso mostrar que as variedades linguísticas podem embelezar e dar vida ao texto, Graciliano Ramos já nos ensinou há tempos que bebia na poesia um gosto pela desobediência à regra. E por falar da poesia que enriquece o texto, uma das atividades mais prazerosas da sequência didática foi a de aprender maneiras poéticas de narrar um fato.

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As próximas versões dos textos apresentaram melhoras significativas. Percebi mais marcas de afetividade. Em praticamente todas as entrevistas notei que a família constituída é a melhor herança dos idosos, em fragmentos como “o amor dos meus filhos e dos meus netos recompensaram tudo”, “tenho, hoje, uma família grande, que me rodeia”. Emocionei-me ao ler também um texto baseado em entrevista cujas informações o avô escreveu para a neta, porque, devido a um câncer não consegue falar, ela retribuiu com palavras lindas “Posso dizer ao tempo ‘obrigado’, não com a voz que a doença levou, mas com a voz do meu coração”.

Essa é a função social mais bela do gênero: unir gerações por meio da palavra. Dar voz a quem tem experiência e saber ouvir é aprender uma lição de vida, almejo, de coração, que esse hábito perpetue e os desejos dos entrevistados sejam atendidos, através da humanização que a Literatura provoca em nós: “Essa eu preciso te contar”, “Mas, filho, esse assunto vai tempo pra falar, mais de um dia”, “Venha outro dia que te conto outra”.

Não consegui concluir as oficinas, o trabalho da Olimpíada ainda está em construção, estamos finalizando alguns textos, mas já temos uma coleção de histórias que enchem os olhos, os ouvidos, o coração. Na linha do tempo, optei por expor duas histórias que empolgaram e emocionaram a todos nós, “O baú do tesouro”, da aluna Anaê e “Margarida: Flor do Campo”, da aluna Evellyn. Há outras produções lindas; textos bem mais simples, mas que foram melhorados; outros que eu não sabia por onde começar a correção, pela defasagem na escrita e pela falta de ideias. Mas sou professora, é preciso perseverar.

No álbum da turma, também há trechos de histórias que mereceriam um livro. Pretendo fazer um encadernado para ficar na biblioteca da escola. Utilizando um novo aplicativo que descobri, Book Creator, quero também produzir a versão online com todos os textos da turma. Todos eles, os bem elaborados, os simples, os sucintos e os detalhados, carregam uma bagagem de emoções. Ler os textos dos alunos também me ajuda a conhecê-los melhor, entender seus mundos além-escola, compreender suas vivências.

Vivemos tempos difíceis, de insegurança e incertezas, mas trabalhar com a Olimpíada, este ano, me faz entender que o passado e o presente estão atrelados à linguagem do amor, que é universal e atemporal, como ao parafrasear Graciliano Ramos, Mia Couto diz “as coisas importantes passam sempre para além do tempo”.

Que a Literatura faça do mundo, por meio de tudo o que as palavras emanam, um lugar melhor,

Ainda temos um longo percurso pela frente, continuaremos estudando Memórias Literárias, quero dar voz aos alunos, para que todos leiam seus textos finalizados e, depois, compilar as produções, para que elas continuem falando do passado, pela linguagem do amor.

Aquela menina, que aos 11 anos sonhava em ser professora, está dando pulinhos saltitantes dentro de mim…

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